hoje venho aqui contar sobre ele porque a Teresa e a Susana lembraram-me que nunca o tinha feito.
trouxe-o numa caixa de cartão, do canil de são lourenço. nasceu a 13 de maio, tinha um nome qualquer que começava por 'e', que eu mudei para Gorbi, e tinha lop. eu dizia que ele era brasonado.
mas o gorbi era selvagem. naqueles seus olhos cor de laranja cabia a liberdade toda do mundo, e a ternura, e a firmeza.
foram escusados os muros, os portões, as cordas, a disciplina. sim, porque ele esteve a tirar um curso de obediência cega na gnr e a ordem que melhor aprendeu foi 'destroça', e ele corria a bom correr até se perder de vista.
era raro o dia que não ia à praia. aparecia em casa a cheirar a algas e com o focinho arranhado. outras vezes desaparecia durante dias e eu percorria campos e ruas e acampamentos ciganos, em vão, para mais tarde ele aparecer em casa, exausto e com cordas esfarrapadas amarradas ao pescoço. diziam que o viam a esperar que o semáforo mudasse para verde para atravessar as ruas.
o gorbi tinha, diziam os veterinários, uma otite crónica, e quando abanava a cabeça para sacudir a dor, ficava com as orelhas inchadas e tinha que ser lancetado. com a idade a doença agravou e ele deixou de sair de casa. os antibióticos eram cada vez mais frequentes e os anti~inflamatórios também. tinha-me dado jeito conhecer a Teresa naquela altura, e sorrio enquanto escrevo isto. deixei de partir de férias para cuidar dele. e ele sabia. fazia sopas que o ajudava a comer como se fosse uma criança e repousava a sua cabeça no meu colo. fiquei sempre com a culpa de não o ter tratado melhor, de ter demasiadas vezes tentado atenuar a sua dor com medicamentos.
um dia, e nessa altura eu vivia realmente numa casa de campo, tinha-o deixado a descansar por baixo dos pinheiros, e estava eu na cozinha a preparar o almoço, quando senti a brisa que ele provocava quando passava por mim. mas ele não estava, tinha passado para se despedir. fui encontrá-lo morto no mesmo sítio em que o tinha deixado, no meio dos pinheiros. afaguei o seu pelo já sem brilho, peguei numa pá, abri um buraco e enterrei-o.
reparo agora que não chorei a sua morte. assim como não chorei a dos que me morrem e nunca morrem em mim.
São lindos os Serra da Estrela. Gostei muito de conhecer esta tua história, ana (e adoro ler o que escreves, mas isso já não é novo para ti).
ResponderEliminarA Teresa teve uma ótima ideia. :-)
E mesmo quando eles nos morrem, podemos decidir mantê-los vivos em nós, ao menos essa liberdade temo-la. O Duque também não morreu em mim.
Boa Páscoa, minha querida ana :-)
eu acho que nunca morrem. estão em cada cão com que nos cruzamos.
Eliminarboa Páscoa, Susana, que seja de ressurreição e renovação :)
a minha alma é um cão, de certeza que noutra vida fui um Gorbi :)
ResponderEliminarpor isso, reconheço-te :)
Eliminarse és Gorbi, és o rei da paciência...acho que vou mudar-te o nome, Hury...
ehehehehehe, todos os nomes são teus
Eliminarquerida ana, não choraste mas eu chorei.
ResponderEliminartem uma boa Páscoa.
obrigada, Teresa.
Eliminarenquanto escrevia este texto também me vieram as lágrimas aos olhos.
uma boa Páscoa para ti. que seja de renovação.
Tão bonito ana, fizeste-me lembrar do meu Perry de olhos meigos, um dia ainda falo sobre ele, dos poucos que chorei por me morrerem. Beijinhos ana
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