em baixo e em cima

foi de um dia para o outro que a mulher que lavava futuros nas margens do rio deixou de reconhecer o jardineiro de pessoas, e até a ela mesma.
e assim tudo se desmorona. de um dia para o outro. e ficou como naquela noite no planalto transmontano em que era tudo negro à sua volta como se planasse ao deus dará, sem que deus desse.
de um momento para o outro tudo se inverte e o que está em cima, fica em baixo. 
foi naquele dia em que a mulher procurava o canto da ave entre os ramos da árvore, naquele dia chuvoso em que não seria de prever que os animais alados cantassem, que o homem que ajusta bermas da vida, lembrou à mulher que dizem os místicos que o que está em cima é igual ao que está em baixo, o que coloca tudo sempre no seu devido lugar, ou lugar nenhum, não interessa.

eu cá não sei, mas quando a gente se engana assim, tão de repente, tão grandemente, parece que fica um oco no tempo. talvez até seja tudo oco e talvez no oco caiba tudo, até o nada. e fica-se assim, sem saber de nada, podendo vir-se a saber de tudo.

isto são os dedos a escrever, claro.