quarta-feira, 5 de junho de 2019

a surda







ao que parece, é maria, a empregada doméstica, que sustem os alicerces daquela família, conservadora, estruturada, de classe social elevada, com todos os membros bem colocados na vida, bem formados e com carreiras profissionais irrepreensíveis.

maria, pobre mulher sem instrução, é surda. a deficiência tem permitido que não ouça os impropérios da patroa, conservando-se há mais de trinta anos na casa. para lá foi adolescente, e por lá cresceu-lhe o corpo, porque instrução não recebeu nenhuma. quem não tem saber para si, não tem saber para ensinar. e a patroa não tem. nunca precisou, nunca se esforçou, nunca trabalhou. são insuficiências de luxo numa vida cheia de vazio.

é pois maria que segura o laço frouxo que mantém aquela, digamos que, família. ampara a loucura da patroa, o desânimo do dono da casa, o cada vez maior afastamento dos filhos, a arrogância e prepotência da nora.

se fosse possível maria recuperar a audição, a família desmoronaria, a sociedade pasmaria e teria tema de conversa para muito tempo. quem conseguisse suportar o escândalo,  talvez pudesse vir até, um dia, a ser feliz.






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