terça-feira, 31 de outubro de 2017

talvez um dia destes lhe beije os lábios









eu sei que aquele 
queres vir caminhar?
resume-se a 200 ou 300 metros na noite fria, mas vou. ele espera-me junto ao rio e vem como se viesse às escondidas, e talvez venha mesmo. 
sentamos?
digo que sim. claro que sentamos. ele não sabe, mas eu trocaria qualquer lugar no melhor restaurante por aquele banco à beira rio, e sentamos. então ele fala, fala, fala, como uma criança que chega a casa ao final do dia de escola e conta as brincadeiras com os colegas, os ralhetes da professora, da menina que o encanta, das asneiras às escondidas, das lições que aprendeu. não se cala, apesar do frio. eu ouço e rio-me. rio com vontade, mesmo. rio pela espontaneidade dele, daquele homem bem mais velho, com responsabilidades políticas e vida social irrepreensível, aparentemente. 
é uma criança
penso. e enquanto penso, mostra fotografias, fala da sua juventude, das corridas de automóveis, da vida em coimbra, dos seus amores adúlteros, garantindo-me que não se torna a apaixonar, fala da sua família, da mulher, dos filhos e dos netos. 
está frio. posso encostar-me a ti?
podes, mas não acho boa ideia
e ele afasta-se, escondendo as mãos geladas entre as pernas
vais ficar constipado, vamos embora
sim, vamos. dás-me um beijo?
claro que não! que disparate!
ele olha para mim, acabrunhado
fizeste com que fique envergonhado, acho que corei.
eu olho-o com ternura. talvez um dia destes lhe beije os lábios.









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