quinta-feira, 24 de agosto de 2017

dona fernanda interrompe bocejo























- não pode uma vida imaginária ser também uma realidade? - questiona-me dona fernanda, assim logo pela manhã, enquanto lágrimas de sono correm pela minha cara abaixo. eu digo que não. garanto que não, de forma alguma. o imaginário não é palpável, digo-lhe eu, não é visível, não é companhia, não é diálogo, não é ombro, não é passeio à beira-mar, não é partilha. não é vida, portanto. asseguro, apesar do sono, pois para defender a minha convicção, não preciso sequer de estar desperta.
a dona fernanda teima. diz que nem dormiu com a ideia aos rebolões na cabeça.
- mas, vizinha - continua - naqueles quase mil dias, que a vizinha sabe, eu vivi aquela história invisível, eu sentia-me acompanhada, o meu corpo despertava, a pele reagia, a alegria sobrepunha-se às dificuldades dos dias, o azul era mais do que uma cor, o coração ansiava, os dias cresciam, a vida era mais vida. fiquei só, é verdade, mas não ficamos todos sós no final?
fiquei com um bocejo a meio e liguei a máquina do café. lembrei-me de todas des-ilusões e des-esperanças que a vida me tem trazido, deixando-me um travo triste na boca a vida desperdiçada. pelas palavras da dona fernanda, recolho todos esses cacos des-coloridos e construo uma nova forma de ver. talvez tudo o que nos faça sentir vivos, seja uma preciosa forma de viver. mesmo que seja imaginária, mesmo que seja no singular, mesmo que seja unilateral.












12 comentários:

  1. Talvez. Talvez só importe como te sentes e não porquê, e então talvez a imaginação sirva. E a imaginação substitua tão bem a realidade que de certa forma passe a sê-la sem se cair numa esquizofrenia perigosa. Falta-me o segredo para aprender a ver assim, viver assim.

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    1. A mim também. Aceitar que é possível viver assim.
      Bom dia, Olvido

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  2. Tenho batido tanto nessa tecla; quando alguém decide pegar na vida alheia - o que outro escreveu e publicou - e nessa base decide ficcionar/imaginar/inventar, criar uma realidade paralela, "baralhar e voltar a deitar cartas", utilizando a "base" como matéria-prima a seu bel-prazer.
    Há mulheres assim. Acho bastante perigoso.

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    1. é difícil não cair na tentação de imaginar o personagem que escreve. viver numa ilusão, é mais complicado :)

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    2. Cada um é livre de viver as ilusões que bem entender desde que sejam as suas e não interfiram com a minha realidade...a liberdade dessa pessoa acaba onde começa a minha.

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    3. exactamente, Té. desde que não haja manipulação.
      obrigada :)

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  3. Talvez ana, talvez alguém alguma vez consiga tal proeza de conseguir viver assim, que a imaginação lhe baste e a faça feliz, mas não sei....

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  4. Eu preciso tocar para viver. Até quando escrevo. Pouso as palavras na minha pele.

    Um beijo no teu coração, ana bonita. :)

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    1. e eu menina bonita, e eu.. fico assim à toa se tenho os sentidos e não os posso usar :)
      abraço-te :)

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  5. Pois eu admito invejar quem tem a fantasia como companhia. Seria a maior das redes de salvação. Aliás, as artes provam a existência dessa "rede".

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