terça-feira, 1 de agosto de 2017

a lavadeira
























a mulher com o olhar nocturno, há quase um mês que passa os dias nas pedras lodosas da rampa da doca, lodo como o brilho dos seus olhos, lodo como o peso da inércia nos seus ombros. era a ela que ela lavava, naquele esforço de esfregar a manta nas pedras. repetia os gestos vezes e vezes sem conta. passava sabão, enrouquecia-se no som de sovar os panos no chão, gretavam-se-lhe os dedos naquela repetição. era a ela que ela lavava, como se quisesse que aquela maré vazante levasse memórias que recusava ter. neste dia ao contrário, em que o rubor do pôr-do-sol se mostra a nascente, e eu procuro-me nos passos que dou à beira-rio, olho para a mulher que só se vai quando a noite lhe esconder o destino, e encontro-me nela, por dentro. 








14 comentários:

  1. Certos pesos nunca saem, por mais que se esfregue e lave.
    Adoro cada palavra que escreves

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  2. ...não será a noite feiticeira do nosso interior?!
    Beijo bom

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    Respostas
    1. o nosso interior entrega-se à noite.
      dia bom, Goti :)

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  3. a lavadeira poeta, tem palavras que cheguem para lavar este e outro mundo :)

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