segunda-feira, 31 de julho de 2017

o senhor josé











as mãos do senhor josé têm a curvatura que lhe ficou de tanto acariciar os lombos dos peixes. o olhar tem a calma das marés e o cabelo encaracolado lembra as ondas do mar. o senhor josé foi pescador e agora tem uma peixaria. dona maria, sua mulher, olha para ele de lado, enquanto ele explica às freguesas como hão-de cozinhar o que levam. ele fala e amanha as pescadas, ao mesmo tempo. desliza lentamente a mão pelo lombo, e de seguida contra as escamas. diz que assim fica mais saborosa. depois fala da partilha, 'se fizer assim, dá mais partilha, se fizer à posta ou em filetes, não dá tanta.'
aquilo é um bailado, um namoro pegado, uma dança de roda com troca de pares. o senhor josé acaricia a pescada com as mãos, as clientes com o olhar, as palavras com os lábios. a dona maria tem razão em sentir ciúmes. eu cá fico-me pela partilha, que é dos conceitos mais bonitos que conheço. 
foi o senhor josé que me contou que se podem comprar pedaços de mar e que há pedaços mais valiosos do que outros. foi assim que eu criei o sonho de te comprar um pedaço de mar, daqueles mais baratos, daqueles com água azul cristalina e só meia dúzia de seixos no fundo, como a tua alma.












6 comentários:

  1. acontece-me, sabes, lembrar-me sempre de ti quando ouço a música how far i'll go. :)

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    1. era mesmo disto que hoje eu precisava.
      obrigada, menina bonita :)

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  2. Há coisas que só quem com o mar convive todos dias consegue saber e contar. Sempre que posso, também gosto de ouvir quem faz desse convívio uma arte de passagem de histórias, momentos e, vá lá, pescadas :)

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  3. Cada pedaço de mar é um mar inteiro quando é lá que o coração respira.
    Bonito texto, dá muita partilha , ana ;))

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    1. é verdade, Olvido.
      é com a partilha que crescemos, como diz uma amiga minha.
      obrigada :)

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