quinta-feira, 16 de outubro de 2014

instantes





























como de costume a mulher percorre a marginal, de volta a casa. está uma manhã de temporal e ela gosta. o vento e a chuva são mornos naquela manhã de outono. a força do mar e a corrente do rio, que parece que corre ao contrário naquele ondular castanho, as gaivotas em terra, viradas para o vento, e as árvores, sacudidas, que espalham folhas que os varredores tentam, numa luta inglória, apanhar, tudo isso encaixa tão bem naquele coração sem-abrigo.
a mulher abre a janela do carro, que conduz devagar, e respira vida naquele ar húmido. por uns instantes nem quer saber das horas nem do trabalho que está por fazer. nesse dia faz anos aquele homem pequeno, rústico, uma mistura de terra e gente, que prega a comunhão com a natureza, pontos cardeais, forças do cosmos e mundos paralelos, enquanto ela ri.
'que todo o bem que te desejo tenha força suficiente para amaciar os teus dias', escreve-lhe ela, farta de saber que ele nem pensa sequer em ter os dias amaciados. mas escreve-lhe.
há pessoas que entraram na vida dela com uma fé tão grande nela, que ela não entende. 'tens muita fé em mim', diz-lhes rindo enquanto pensa 'tira daí o cavalinho da chuva...'
de noite sonha com um cartaz que tem escrito - confia-te. 




















2 comentários:

  1. não me lembro da última vez que parei neste cantinho. entristeço. mais, justifico-me. com as rotinas, com o trabalho, com o corpo. entristeço. e logo depois volto a mim na alegria de reencontrar as suas palavras. lembro-me da primeira vez que parei neste cantinho (os anos, aos anos!).

    por continuar aqui, obrigada.

    pelas palavras, não há palavras.

    *

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  2. é verdade Ana, os anos... obrigada pelas palavras, por tudo.

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