o senhor carlos morreu.
aquele homem rude, fluente em palavrões, com cerca de setenta anos e não sabia ler nem escrever, no século vinte e um, nem ele nem a mulher.
morreu.
agora, ao domingo de manhã, já não vai ser ele a estrear o carreiro da horta que divide os talhões. serei eu, bem cedo, a dizer mal da fechadura, que perra, devia ter sido ele a abrir.
mas morreu. ele que me dava umas folhas de vez em quando e alfaces para plantar que nunca consegui que vingassem. dava-me a mim e a mais ninguém, que os outros, dizia ele, não eram de bem.
o senhor carlos, que dizia ter sido salvo por nossa senhora, morreu naqueles dias de chuva intensa que tudo varreu que tudo alagou que tudo lavou. e ele foi-se sem que chegasse a dar pela falta dele.
no meu altar, ficaram as sementes de abóbora, que o homem rude me deu, colocadas em forma de flor, para que os seres de luz cuidassem dele. e ali estão, agora à espera de terra fértil, para que de alguma forma ele sinta o sol outra vez, para que de alguma forma, a luz o oriente.


Sem comentários:
Enviar um comentário