a mulher atravessa a garagem do prédio com os pés submersos na água que invadiu todo o espaço comum do prédio, com os sacos pendurados nos ombros enquanto as mãos levantam as calças para que não se molhassem. os vizinhos andam de um lado para o outro falando ao telefone, mudando os carros de lugar, indagando o que fazer, enquanto a observam de pés encharcados naquela água fedorenta.
tenho pessoas à minha espera - diz ela - tenho de sair. agora não posso tratar disto.
senta-se com a porta do carro aberta, descalça sapatilhas e meias, calça outras, secas, coloca as molhadas dentro de um saco, e sai.
tinha chovido torrencialmente mas naquele momento a tempestade acalmara. segue rumo a 'tenho pessoas à minha espera'. a estrada aparece cortada devido a inundações, o trajecto alternativo apontado pela polícia parece um ribeiro com corrente forte. e ela segue. tem pessoas à sua espera.
estaciona. a porta de casa abre-se. lá dentro as pessoas. abraçam-se. sentam-se. cruzam os olhares como crianças apanhadas numa asneira.
somos doidas varridas - diz a mulher - ou temos muita vontade de estar juntas...
sentadas à mesa, erguem os copos e brindam - à amizade, a nós, à saúde, aos reencontros.
é bom, termos pessoas à nossa espera.


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