terça-feira, 17 de setembro de 2019

o personagem









O homem criou um personagem que ele mesmo representa debitando de forma previsível frases, atenções, delicadezas, gestos, expressões, perguntas, e, os seus dias são ocupados com uma agenda preenchida, livrando-o da ansiedade do imprevisto. 
Que eu saiba, o personagem só o larga quando assiste a um jogo de futebol ou quando come um prego no prato, colocando, de forma, para mim, estranha, o arroz na gema do ovo e descansando o peso do personagem, nos braços pousados na mesa. Talvez o prego no prato seja o que de mais comum se permite, talvez o prego no prato seja uma trégua, sei lá... 
Mas naquele dia, em que ele insistia naquela ideia tão contra a minha vontade, passei repetida e lentamente as mãos no seu rosto, e vi a sua expressão amaciar, as palavras a morrerem antes de serem faladas, o olhar a tornar-se maré mansa, as rugas a pacificarem, o personagem a desaparecer, e a ficar, ele.

















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