segunda-feira, 28 de maio de 2018

voltas







o homem ao meu lado, no balcão da farmácia, tremia ao segurar na receita enquanto a farmacêutica perguntava-lhe, notando-lhe a dificuldade em decidir
quer levar? ... o preço que está aí é do genérico...
eu reconheci nele as tremuras que tinha o meu pai e o nome do medicamento para o parkinson. caro, muito caro
posso pagar depois...
hesitou, com o papel na mão, todo ele curvado sobre o valor do remédio, todo ele rendido à realidade da doença, todo ele incapacidade económica, todo ele solidão, perante isabel, que, sabe deus o coração dela doído de bondade e de tristezas lá da vida dela, e ao meu lado, também eu renitente em comprar o remédio que faz o meu coração não descompassar
levo o papel para saber quanto devo
tremeu-lhe a voz e a mão, enquanto guardava a dívida na carteira parca em dinheiro
e eu ali, silenciosa, a roçar de tantas formas a realidade dele, e a deixá-lo seguir, sem deitar-lhe a mão, com seus passos pequenos, para uma vida que certamente trocou-lhe as voltas









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