segunda-feira, 26 de março de 2018

o josé dela e o meu josé












sempre que a mariana, a minha florista, me fala do seu josé, fica com os olhos azuis alagados de lágrimas, e eu fico com o coração em tropeços de não saber o que lhe fazer.
- ainda hoje a minha mãe me telefonou - conta-me - a dizer 'vós não tirais esta alegria ao menino nunca, ele anda sempre feliz'! e é, sabe? o meu josé é uma alegria sempre, que só visto.
- o meu josé também era assim - sussurro eu, logo logo arrependida por ter falado aquela recordação tão bonita, do rosto do meu josé sempre brilhando do sorriso que ele ainda hoje tem.
- é que eu tenho medo de não ser capaz, de não conseguir protegê-lo de tudo...
e os olhos azuis da mariana aprofundam-se mais de água que quer transbordar. eu sei, já lho senti, que aquela mãe está com um esgotamento de si, por não esgotar a preocupação que tem por não poder ser chão e céu e limites, e, ela mesma, vida para o seu filho viver
- não podemos tudo, sabe... - digo-lhe com ternura, como se ternura fosse código que ela pudesse entender - não podemos. eles têm a vida toda para viver sem nós. 
então eu lembro que o meu josé perdeu a alegria quando foi obrigado a ir para a escola, e aquele desencanto levou do seu rosto o brilho da alegria da infância. então o meu josé andou desfasado de si porque o seu mundo era tão maior, tão mais livre, tão mais paz, tão mais solidário, do que aquela realidade que foi obrigado a vestir e que não lhe servia. tantos números abaixo do dele. 
quase vinte anos passados, o meu josé recomeçou a encontrar farripas da alegria perdida, na forma que conquistou de poder ser o seu próprio sonho.
preocupa-me a fragilidade da mariana, e revolta-me que a essência do ser humano, em vez de ser alimentada e alicerçada desde que nasce, tenha que ser amordaçada e formatada, desconstruindo a alegria original. educamos desconstruindo, em nome do sucesso que os outros impõem, em nome de quaisquer valores sociais, que nem sequer são os meus, eu, que sou uma mulher do campo.










6 comentários:

  1. <3
    Também eu tenho um José, embora com outro nome, que anda desfasado de si, porque o seu mundo é maior, tão mais livre, tão mais paz.

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  2. daí, de tudo o que disseste, escrevendo, que eu me esteja nas tintas para aqueles (tantos e tantas) que ficam em pânico «- ah, mas o futuro?!!», por ter a minha filha mais nova, a Ana :), sido mãe aos 19 anos (e é uma mãe leoa, cuidadosa, excelente) e não estar,"como devia", na faculdade, cursando uma treta qualquer quando era visível (e ela é muito inteligente) a desmotivação, a falta de estímulos, o mundinho de merda ao qual sentia que estavam a remetê-la (não eu...).

    de resto, o caminho da nossa vida pode ser feito ao contrário (e esta última expressão, não vai aspada de propósito, pois que não considero que ela viva os passos, as suas etapas, ao contrário: está a fazê-las de acordo com as suas circunstâncias, e sempre, sempre a tempo de fazer o curso que desejar: a bebé trouxe-lhe uma calma que não lhe conhecia, por exemplo :)

    são adultos,agora, deixemo-los estar, ir...

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  3. É por isso Ana que penso muito no que quero "impor" ao meu filho e se serei capaz de eu própria romper com o que se espera de mim.

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    1. nunca lhe digas 'tens que estudar para um dia seres alguém' :)
      consegues, sim
      boa Páscoa!

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