quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

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     ele faria anos hoje, doutor, sabe? 60... e não consigo imaginá-lo com 60 anos embora na altura ele já tivesse muitos cabelos brancos.
- obrigada por lhe teres dado anos de vida
disseram-me na altura, enquanto eu pensava que se não me tivesse zangado na véspera, por ele ter recomeçado a beber e ter deitado fora todas as garrafas de álcool que encontrei, talvez ele apenas tivesse bebido uma garrafa, tivesse adormecido, e no dia seguinte continuasse por mais um dia, e outro dia atrás de outro, em vez daquele beijo de bom dia e de fico a dormir mais um bocado, vai indo, para depois resolver partir mais cedo, sem uma justificação, sem nada.
a vida é tão estranha, doutor, e quando penso nisto fico tão pesada outra vez, como naquele dia em que me ria enquanto a polícia me obrigava a dar a notícia à mãe dele. e os dias a fio sem querer fechar os olhos para dormir. e a vida toda sem chorar morte nenhuma, sem chorar a minha vida do avesso.
agora, doutor? já passou tanto tempo que ele já está bonito outra vez, e já é luz outra vez, e segreda-me avisos ao ouvido, sem que eu o veja. e eu só fico pesada quando penso nisto outra vez, como agora. e se lhe digo isto aqui, a si, é porque ainda não sei onde arrumar aquele dia, aqueles dias, aquelas máquinas no hospital, a chacota dos médicos enquanto as desligavam, eu ali.
mas agora esta tudo bem. só que eu que esqueço tudo, e isto, olhe...








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