domingo, 20 de agosto de 2017

modos de ver















a indicação era de que ele me levasse a um local escolhido por si. mas não, o homem escorpião seguia silenciosamente atrás de mim, até que passei por uma clareira acolhedora no meio da floresta. olhei para ele e endossou em mim a responsabilidade da escolha. recusei o local por ser bonito demais, fácil demais, acolhedor demais e reclamei com o meu acompanhante - as indicações eram de que me levasse, não de que fosse eu à frente. tomando a dianteira, conduziu-me a uma caverna escura e húmida, arrepiante. mais uma vez não aceitei o lugar, e, como num passe de magia, o semi-homem fez com que eu pousasse na copa das árvores. dali eu podia ver o imenso céu azul e o mar de verde da floresta estendia-se sob os meus olhos, mas eu não sabia o que fazer com o que me era mostrado, com tamanha imensidão. foi então que um dragão pacífico e descamado me levou no seu dorso até ao cimo de uma montanha onde alguém me esperava. ao me apresentar, digo que não sei o que faço ali, e a criatura diz-me que estou ali para sentir. 
- sente - disse-me, colocando a mão no meu peito.
naquele instante fico coberta de vegetação rasteira e começo a fundir-me com a terra.
- não posso - recuso - ainda não posso ir. tenho filhos e mãe para cuidar.
naquele instante um grossa teia de aranha cobre-me, mantendo-me curvada, presa ao solo. perante a minha aflição, o ser com quem falo corta as quatro pontas da teia e eu ergo-me, com uns olhos enormes no cimo da cabeça calva, oferecendo-me um amplo campo de visão.
- e agora? o que faço com tudo o que vejo? - questionei o ente que me observava.
- tu reflectirás para os outros tudo o que vês. a responsabilidade é tua.
a alguma distância de mim está o metade homem metade escorpião, a quem pergunto porque não me ajuda. afinal todos são ajudados, excepto eu.
- eu movo a tua cabeça na direcção do que tu deves ver, mas cabe-te a ti ver. - disse-me de modo distante, e ordena-me que voe até à primeira clareira onde me acolhe no seu regaço.

- porquê? - pergunto ao homem-terra.
- é a tua vida. boicotas-te.













6 comentários:

  1. Respostas
    1. às vezes olhamos e não vemos.
      através das tuas fotografias vejo pormenores que de outra forma não veria. levas-me pela mão.

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  2. Uma das minhas frases favoritas diz que não vemos as coisas como são, mas como nós somos (Anaïs Nin). Acho que é o mesmo com o que passamos do que vemos, o que temos a oferecer aos outros é como vemos o mundo - é o nosso olhar que nos define. E o teu olhar é bom de ver.
    Boa tarde, ana:)

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    1. sim. tens razão, Olvido. já o meu olhar, tem dias :)
      boa noite, Olvido

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