sexta-feira, 18 de agosto de 2017

a dona fernanda e o chão










a vida dá voltas e revira as voltas, e, como a dona fernanda deixou de passar cá por casa, de vez em quando bato-lhe eu à porta. a mulher tem estado quieta, muito quieta. vai de casa para o trabalho, faz o caminho inverso ao final do dia, desviando-se apenas pela necessidade de fazer uma ou outra compra. pergunto-lhe o que se passa. 
- tenho tentado contrariar o destino. veja vizinha, esta roda de cartas, as agruras que me vaticinavam.
eu debruço-me sobre os arcanos colocados em oval, e num instante percebo o que a dona fernanda me quer dizer.
- pensei que se ficasse sossegada no meu canto, nada disso aconteceria. não é de agora que tento que não aconteça o que o oráculo me predestina. 
- e então, vizinha?
- tudo em vão. não é não vivendo que se vai impedir o curso do leito da vida. tanto tempo tentei que ele permanecesse, e ele já tinha partido mesmo antes de partir. tanto que calei e aquietei e a tempestade aconteceu na mesma, tanto que poupei, e os gastos irromperam de surpresa. 
a dona fernanda beberica com calma o chá de uma taça chinesa. é a calma dos derrotados, a calma de quem encontra o chão ao cair, o chão que a limita, e ao mesmo tempo ampara, o chão da realidade.











7 comentários:

  1. Se tiver flores é um chão bonito.

    Está a chover, ana bonita.

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    1. a dona fernanda tem sementes dentro do peito.
      que sorte, Alaska. quem me dera uma chuvinha.
      beijo-te, menina bonita :)

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  2. E pé ante pé o chão que pisa, é ela.

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