quinta-feira, 20 de julho de 2017

conversa










a mulher fala de si com rapidez, com urgência. conta-me da doença e da forma como está a procurar a cura, dentro dela. fala muito, fala das raivas que está a reconhecer, da forma como se exterioriza, dos direitos que se tem que dar, de tudo o que merece, da revolta com o pai, do desprezo. e fala, como se disso dependesse a sua vida, e talvez dependa. 
falo tudo da minha vida, e tu nunca falas da tua...
acaba sempre por me dizer. a verdade é que eu não gosto falar da minha vida. aparentemente, é sempre igual, cada dia mais igual. um desperdício.
estás com um ar cansado
diz-me
estou, cansada de muitas formas. sabes, há alturas em que de repente, tudo cai, tudo é como não queríamos que fosse, em que a vida nos troca as voltas todas. e essa altura está a ser agora. tudo ao mesmo tempo. não é só comigo. está a acontecer com muita gente.
a mulher, já dentro do elevador, com os olhos entristecidos diz que não devia ser assim
e resolve quem, que não seja?
pergunto
pois... talvez tenhas que mudar
diz-me ela, assim como tantas outras pessoas. é tão evidente para todos que eu tenho que mudar
tenho o meu tempo, o meu caminho, os meus passos a dar
mascaro-me
não me fales em tempo. não gosto nada dessa palavra
diz a mulher que corre contra o tempo todos os minutos do seu dia
não é desse. não falo do tempo cronológico. é do outro.
e ela foi embora, a correr, fugindo da noção de tempo









4 comentários:

  1. Ana, eu demorei 2 anos a reconhecer que precisava de mudar. Dois anos, não digo inúteis ou desperdiçados, mas dois anos de perda de tempo em que podia estar a traçar um percurso e fiquei só a olhar para as estrelas.
    Toma o teu tempo, mas logo que reconheças a necessidade de mudança age. Tudo flui melhor no tempo certo!

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  2. Parece que a mulher está a falar com alguém que eu conheço. :) Há tanto tempo que eu sinto que preciso de mudar, ana, e que preciso de saber quem sou e o que quero, para me sentir, em certos momentos menos angustiada e infeliz. Mas será que não mudamos, será que, aos poucos, não nos vamos aproximando do que queremos ser?
    Talvez o Pessoa tivesse razão quando escreveu:«Cada coisa a seu tempo tem seu tempo. /Não florescem no inverno os arvoredos, /Nem pela primavera /Têm branco frio os campos.»
    Boa semana. :)

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    1. obrigada, deep :) acredito nisso mesmo. todos temos o nosso tempo, o nosso ritmo, que tem que ser respeitado, por nós. e sim, a mudança vai-se dando, quanto mais não seja com a consciência de que tem que ser feita.
      Pessoa tinha razão sim.
      boa semana :)
      beijo

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