domingo, 14 de maio de 2017

o homem de sábado









aquele homem tinha um expressão e um modo de falar calmos. no entanto, as palavras saiam roucas da sua boca. ele falava do medo, do medo com que vivia todos os dias, sem especificar qual. o medo doía-lhe no corpo, tirava o seu sono, impedia os movimentos. 
- medo, dizia, eu sinto um medo tão grande que às vezes se torna insuportável viver. acordo sempre por volta das quatro da manhã, e mal abro os olhos, parece que me vestem uma armadura que me impede de mexer e me cobre de medo, de pavor mesmo. e quando vos ouço a falar e me parece que sabem como lidar com estas emoções, eu sinto inveja, muita inveja, raiva, mesmo.
a voz dele era serena e os gesto mansos, nem o olhar fazia transparecer o desespero. mas ele tinha chegado ali, com esforço, como a derradeira hipótese de superar o que lhe condiciona a vida, e expôs a sua vulnerabilidade perante pessoas que, melhor ou pior, tentavam dar-lhe a mão, naquele momento. eu admirei-o por isso.
eu sei que o medo se vence sozinho, nós connosco, com uma palavra ou outra de encorajamento, mas é dentro de nós que se travam as batalhas, a sós. e é no momento de exaustão, no momento de entrega, quando o nosso olhar se encontra com o dele, no momento de rendição, que muitas vezes damos o salto, nos transcendemos.












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