domingo, 26 de março de 2017

a espátula











foi ontem, ao pegar numa espátula de pintura, que encontrei uma hipótese de serenidade, assim de repente, como num momento mágico. o metal fino e brilhante que eu segurava nas mãos, segurava-me a mim também. dizia-me que pintasse, que a tristeza pode esvair-se pelos dedos em forma de cores, palavras, ou aquele objecto de barro que há muito me foi dito para modelar.

é domingo e está um dia perfeito. chove, o céu está ora plúmbeo, ora azul, o sol reflecte-se de vez em quando no vaso de cyclamens que vejo na varanda. 

a vida tem-me trazido, em catadupas, coincidências, tem feito com que linhas paralelas se cruzem, e barra-me os caminhos com espelhos que me fazem ver nos outros o percurso que sigo. é doloroso, cria-me vácuos, buracos negros por onde me parece que vou desaparecer, desintegrar-me, mas de seguida envia-me uma espátula, dá-me a mão, e lentamente vislumbro uma alma que pareço ser eu, novamente. e sou grata por tudo isso, muito grata.

quando me pergunto porque escrevo aqui neste espaço, concluo sempre que é porque me procuro e porque me transbordo, e, de cada vez que penso em deixar de o fazer, surge algo que não cabe dentro do meu peito e volto. mas a cada parágrafo penso que será o último.










12 comentários:

  1. pinta, escreve, vive em últimos parágrafos que nunca acabam :)

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  2. às vezes precipito-me nos parágrafos...

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  3. Se os últimos se transformarem em primeiros, está bem. :)

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  4. Volta sempre ana que gosto tanto de te ler. Pinta, escreve, visita o mar e conta-nos tudo :)

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  5. oh, Maria, assim fico desarmada...
    muito obrigada :)

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  6. Cada texto que escrevo é como se fosse o último. Nunca é. Mas escrevo-o como se fosse uma despedida. Compreendo-te tão bem, ainda que ficasse muito triste se isso acontecesse.

    Boa noite, querida ana :)

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  7. neste mundo virtual tudo é possível, Miss. num instante desaparecemos...plim! já falamos disso:)
    treinamos o desapego (pfff...)
    não ligues, muito prega o frei tomás :)
    recebe um abraço muito muito apertado. esterrinco-te :)

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  8. é nada, Hury. é cairmos aos trambolhões e esborracharmo-nos lá em baixo...

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  9. Olha, eu chumbei na disciplina do desapego. Sou repetente. :)

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    1. O que eu sei do desapego, é que é assim como descolar um adesivo largo de um pedaço de pele em carne viva numa zona pilosa.
      Todos os dias reprovo:)

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