domingo, 5 de fevereiro de 2017

dona fernanda e a violeta












dona fernanda aproveitou uma folga na chuva para vir tomar o pequeno almoço comigo. má ideia. a primeira refeição do dia tem que ser em silêncio e sozinha, só posso cruzar-me com pessoas cerca de uma hora depois de andar a cirandar pela casa.

mas ela veio e eu puxei os cordelinhos de alguma educação para resistir à vontade de a mandar embora. mais uma cápsula de chá marrakesh e umas torradas de pão de nozes, mais um lugar na mesa, e espero que nem um comentário à confusão de passarada na minha varanda. ela já sabe, que é assunto sagrado.

anda mais calma, diz-me ela sem que eu perceba se isso é bom ou mau. acalmaram-se-lhe os inconstantes do corpo quando se acertou com com o que a consciência lhe dizia. dona fernanda, para bem ou mal, ela lá sabe, desistiu de quem a queria, a favor de quem não a quer, só porque se prendeu em palavras a roçarem-lhe vontades, e ela olhava os olhos de um a pensar nas palavras de outro, e resolveu ficar consigo mesma, era uma questão de honestidade, justificava ela, mesclando a virtude com esperança sem o admitir.

podia ter sido o homem da vida dela, digo-lhe eu, falando do que a queria. ela beberica da chávena de chá e conta-me da pistola de fazer biscoitos que tem em casa para experimentar. ainda lhe pergunto sobre o outro, o das palavras, e ela aponta-me a violeta que morre lentamente num vaso na varanda de um mal que ainda não descobri.










5 comentários:

  1. Pobre dona fernanda, assim enredada em amores não correspondidos. Mas quem não tem um desses, uma vez na vida?

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  2. corações divididos são propensos a decisões catastróficas... mas escolher é preciso.

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  3. Sim, Luisa? Todos nós. As vidas acabam por ser todas iguais :)

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  4. Sem ponto de interrogação, Luisa.

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