terça-feira, 18 de outubro de 2016

como estas aves que gritam em bebedeiras de azul













há muito tempo que deixei de frequentar o círculo de pais dos colegas dos meus filhos. já me tinha esquecido dos olhares de crítica, com pena e acusação pelo meio. uma mistura de um 'eu bem disse' sádico.
então encontro a mulher à saída do supermercado. aproxima-se da janela do meu carro, de onde lhe aceno com satisfação, esquecendo-me de fingir que não a vejo, e pergunta-me, com a cabeça inclinada, sobrancelhas arqueadas, e sorriso de quem espera um desabafo, uma lamuria, como está o meu filho. que está bem, respondo, e só nesse momento percebo que ela espera que me queixe, que me lamente da vida porque o rapaz desistiu da faculdade e eu não consegui impedir.
de sorriso aberto, ainda adianto que desenha e escreve dia e noite, e calo-me, com beijinhos para todos e até qualquer dia.

lembro-me quando ele era criança, ainda no primeiro ciclo, a professora deu-lhes a ouvir a 'pedra filosofal', e ele pequenino, teria sete anos, que já aí não gostava da escola, decorou o poema, cantava a canção, repetidamente. mais tarde, depois de sair da casa onde vivíamos com o pai dele, ele fechava-se no quarto a ouvir o 'muda de vida' dos humanos, tinha dez anos.

agora tem 21 anos e tem um sonho. as músicas que ouve não sei, mas sei que alimentam os seus ideais. enquanto eu pensava que ele estava nas aulas, na faculdade, ele estava na biblioteca a desenhar. só mo disse quando já era tarde demais para tentar impedi-lo, já tinham passados uns meses desde que faltava às aulas sem eu saber. todos os dias apanhava o metro no horário das aulas, e regressava ao final do dia.

criamos os filhos incentivando-os a lutar pelos seus sonhos, aí estamos todos de acordo. se os sonhos não forem lucrativos, se forem aparentemente inatingíveis, recua-se. 

eu não fui capaz. dei-lhe asas. a mulher olha-me de lado, no parque de estacionamento, por eu permitir que o meu filho lute pelo seu sonho. 












14 comentários:

  1. querida ana,

    também a minha nigga (que aprendeu a ler aos 4 anos e meio e antes dos 5 me leu, ela, o livro inteiro para adormecer) optou por não se inscrever de novo no 12º ano, prefere ir a exame(s). Sou a única pessoa com calma, diante desta situação. De resto, não admitiria críticas (já me chegaram) de ninguém. É francamente mais inteligente que a maioria dos professores que teve, e tenho dito :)

    o caminho dela, será ela (ou já...) a fazê-lo.

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  2. gostei do 'querida' :)

    eu não ouço criticas, leio-as nos olhos. deves saber como é :)

    beijo

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  3. poucos são os que levam isto em consideração, mas no fundo o que importa é que seja feliz :)
    acho eu... que da vida nã entendo muito, dos outros e do que os outros pensam, ainda menos... espero que ele e tu sejam felizes, muitos felizes :)

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    1. Eu também espero que ele seja, hurican. Já eu tropeço muito no coração.
      Dorme bem.
      (fechaste a caixa de comentários...)

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  4. Ainda fiz a faculdade no que queria. E adorei o curso. No 10° ano informei em casa que ia mudar de economia para letras. Deixaram-me ir. Diz a Universidade que queria. Quando acabei, não arranjei emprego na minha área. Não logo... o meu pai não me deu fui trabalhar e sou hoje... enfim tenho um emprego que detesto e onde sou bom. Mas detesto. Mudava hoje.
    Tenho 2 filhos. Esses vão trabalhar no que gostarem e quiserem. Eu ajudarei até que consiga.
    Vocês as duas agiram muito bem. Parabéns pela vossa coragem.

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    1. Obrigada, conta corrente, muito.
      É sempre tempo, sabe? Sempre...

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  5. apenas pudeste mostrar que era possível voar
    pois sempre soubeste que tinham asas

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  6. Tens razão. Tu és poeta e vês mais longe.
    Obrigada:)
    Beijo beijo

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  7. Que seja feliz é o que importa, o resto é acessório:)

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  8. espero que seja, mas procura a perfeição. sabes como é...
    beijo, vizinha, para ti e para a Julieta :)

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  9. Olha aqui a Julieta

    https://www.youtube.com/watch?v=YH5_4osOZK8


    (que o teu rapaz encontre algo que goste verdadeiramente de fazer. agora olhando para trás, acho que por vezes parar um pouco e pensar bem no que se quer fazer pode resultar bem melhor do que optar por percursos infelizes com profissões sem realização pessoal. Eles agora são diferentes, não temem o futuro)

    Beijinhos :)

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  10. Eu também não impediria...É complicado, mas a escolha tem de ser deles.

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  11. depois vou chorar para o quarto andar, vizinha. prepara os lenços, o chá e as bolachinhas...
    (será que não temem o futuro porque planeiam viver com os pais, neste caso a mãe, até aos 50 anos?)

    beijinhos e dorme bem, vizinha :)

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  12. sabes Luísa, de vez em quando penso que mais tarde eles poderão pensar que a mãe devia tê-los obrigado, que não tinham maturidade para escolher...
    mas não sou capaz de impedir, nem de obrigar.
    beijo

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