quinta-feira, 11 de agosto de 2016

o homem que levou os meus cinco minutos














para poupar cinco minutos na manhã, subo por uma rua estreita de piso irregular de paralelos. o carro, coitado, vai aos saltos, subindo um bocado de passeio aqui, subindo rampas ali. se eu poupar muitos cinco minutos ao longo do dia, pode ser que sobre algum tempo para mim. às vezes sobra, nem que seja para contar o que conto aqui.

então, no cimo da tal ruela, tenho que parar para o homem atravessar a passadeira, lentamente. o corpo franzino e esguio não deixava perceber a idade de tão gasto que parecia. seguia vagarosamente com os ombros curvados sobre o seu peito. e os meus cinco minutos a desaparecerem. viro à direita, e o homem, o mesmo, à mesma velocidade, atravessa mais uma passadeira, atravessada também no caminho do tempo que eu queria poupar. 

nem olha para mim, o pensamento onde só ele sabe, e eu rendida ao tempo extra que não vou ter, vejo-o passar, com um pedaço de tule, cor verde relva, amarrado ao pulso. levará um amor novo no peito e aquele tecido terá sido posto ali com carinho, para que 'não te esqueças de mim'. nos ombros caídos aconchega a sua mulher, que sem estar lá, está lá sempre.

o homem caminha nas nuvens, certamente, só nas nuvens caminhamos assim devagarinho, para não as desfazermos e chegarmos a casa vestidos de descansaços, com a fita de tule verde relva atada no pulso a sentir que de repente a vida até nem pesa tanto.











2 comentários:

  1. ele levou-te cinco minutos e deixou-te uma mão cheia de belas palavras :) foi uma boa troca

    ResponderEliminar
  2. aquele pedaço de pano verde, à volta do pulso dele, não me sai da cabeça :)

    ResponderEliminar