(chove outra vez)
a dona fernanda tem tocado à campainha insistentemente nos últimos dias. eu faço de conta que não a ouço. enerva-me. enerva-me que pense que lá porque trabalho em casa, não trabalho, ou antes, tenho o tempo todo disponível para quem chegar.
(mas adiante, a chuva faz riscos oblíquos e paralelos lá fora. as linhas vão encontrar-se, apesar de paralelas, quando se desfizerem, ao bater no chão)
mas hoje, devo ter acordado com uma dose extra de generosidade e resolvi abrir a porta à dona fernanda. talvez seja da chuva que faz com que o meu coração esteja mais aberto ao aconchego.
- então, dona fernanda... há tanto tempo... o que é feito de si? - pergunto com a maior cara de pau deste mundo e do outro.
a dona fernanda vem aflita, esbaforidinha de todo, numa ansiedade para falar, que só visto, pois, diz ela mais uma vez, só comigo diz o que lhe vai lá dentro.
como de costume, senta-se na cozinha e eu encosto-me ao balcão para ouvi-la. de vez em quando, arrumo daqui e arrumo dali, pois só tenho que ouvir e não me cabe falar grande coisa.
então passa-se que a mulher, ela mesma, anda com o diabo no corpo - meteram-mo - diz ela corando por antecipação. - sabe que eu até sou mulher de andar com os meus desejos recatados, de tal maneira que até acho que já nem os tinha, as ânsias de que todas falam e que as levam a querer homem debaixo dos cobertores, a mim não me assomavam, vivia eu a minha vida sossegada, a saber hoje o que ia ser o amanhã, da pele nem me lembrava, e afagos, só aqueles gestos de lavar o cabelo, de vez em quando.
(eu ouço, cansada de saber daquela discrição de mulher, que parecia que tinha feito jura de abstinência a um santo qualquer)
(agora chove que deus a dá, é o descontrolo total nos céus - o dia é meu)
mas então, diz a dona fernanda que não sabe por que carga de água (não da chuva que aqui vejo), de repente começou a receber mensagens de um desconhecido (não me disse como, e como não me cabe falar, fiquei sem saber), o tal que lhe meteu o diabo no corpo.
que, conta ela, no inicio, muito bem falante e cordial, assim como ela, bem metida com ela mesma, mas de repente começou a falar-lhe, ou antes, a escrever-lhe, dumas coisas assim, com alguma subtileza, mas nem sabe ela como, a provocar-lhe sensações de corpo, ela que o tinha ali bem apaziguadinho, ao corpo, claro. e, arregalando-me os olhos, assegura-me, não sei se para que eu não pense mal dela, mas assegura-me que não são sensações localizadas, mas sim pela pele toda, ou antes, em todo o lado que o corpo tem pele.
(e o trabalho a ficar por fazer)
eu, ali a olhar para ela. ela a olhar para mim. a querer que eu fale e que cale ao mesmo tempo, pois diz ela que não tem a quem falar, nem do dito sabe nada, nem quem é, nem onde pára. dele, tem ela aquela sensação pelo corpo todo.
Há sempre uma vizinha mais velha que precisa da nossa atenção! :)
ResponderEliminarPor cá também chove de novo. Antes nevasse! Com o frio que está, não sei, não...
Bom resto de dia, ana. Beijo
É verdade. Haja tempo para elas.
ResponderEliminarBeijo, deepLuisa :)
ana, não sei porquê, (mas suspeito), que me lembrei agora de O fabuloso destino de Amélie Poulain, isso parece mesmo uma partida...e nem traz fruta a Dona Fernanda! Ele há cada uma... :)
ResponderEliminarBeijo, conta as cenas dos próximos capítulos!
Teresa, acreditas que não vi o filme? pois não...
ResponderEliminarvamos lá a ver como a história se desenrola. não é fácil 'conversar' com a dona fernanda... se ao menos trouxesse fruta...
beijo :)
Ana, estamos cercadas! Há réplicas da minha vizinha por todo o lado! A tua também parece ser fresca, vai logo direita ao assunto. A minha é mais metafórica, mais naturezas-mortas :)
ResponderEliminarUm beijinho
mas a minha é discreta... diz ela que os desabafos são só comigo...
ResponderEliminarbeijinho :)
A D.Fernanda parece que acordou :) e eu acho que ela apenas quer ser ouvida :)
ResponderEliminaracordou...mais parece estremunhada... coitada, sem saber o que fazer à vida, ou antes, ao corpo, parece-me... :)
ResponderEliminarO corpo tem bom remédio, digo eu :))
ResponderEliminaro caso da dona fernanda, é, no mínimo, peculiar...penso eu, que não estou muito informada destas situações...
ResponderEliminar:)
como é que este me falhou?
ResponderEliminarAinda por cima, a dona fernanda....
EliminarAinda por cima, a dona fernanda....
Eliminartens uma senhora na pia...
ResponderEliminarAh...faz me lembrar alguem...
Eliminarmanda cumprimentos à Dona Fernanda, faxavor... e ao diabo dela.
ResponderEliminarA ela mando. Com os diabos não quero nada, nem me chego...
EliminarXiii. Uma vizinha com o diabo no corpo? Antes trouxesse laranjas, mas que as deixasse á porta com um bilhete :))
ResponderEliminarHoje ela, amanhã eu...somos uns para os outros... :)
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