segunda-feira, 3 de setembro de 2018

parideira








aquela mulher criou carne dentro do seu corpo por seis vezes e por seis vezes deu corpo a seis almas. aquele corpo parideiro, jaz naquela igreja, à vista dos que gerou, todos vestidos de negro e com os rostos banhados em lágrimas, e dos curiosos, vestidos de verão e chinelos de dedo, exibindo peles bronzeadas e a descontracção das férias. todos, excepto eu, que sou uma ignorante nestes rituais, aproximam-se do caixão e aspergem água benta nas pernas imóveis da morta. 
eu, que nem sei porque ali estou, que fujo de funerais como o diabo foge da cruz, sinto que a mulher, de quem dizem que apenas foi mãe de seis filhos, deve ser reconhecida e honrada como matriarca, que apesar de não ter sido capaz de o manifestar em vida, ela foi a transmissora da sabedoria dos seus ancestrais às criaturas a quem deu vida, através dos genes.
enquanto percorro a auto-estrada de regresso, percebo a transformação que seria se percebêssemos e respeitássemos a grandiosidade de um ser, para além daquilo que vemos, para além do que possa ter capacidade para demonstrar. 













4 comentários:

  1. Boa tarde, depois de ler a sua cronica, fico com mais certeza sobre o meu pensamento, para perceber e respeitar a grandiosidade (algumas) da outra pessoa, só é possível com a sabedoria da humildade que é sinonimo de inteligência.
    Feliz semana,
    AG

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