sábado, 17 de outubro de 2020

dos futuros




nunca a mulher que lava futuros nas margens do rio foi tão procurada. nunca tanta gente teve que reescrever vida, teve que apagar dias por vir, teve que reinventar sonhos, teve que aprender presentes. 

a mulher, que conta as noites pelas luas e os dias pelas marés, traz no peito retalhos de amor com que remenda, conserta, amacia, os ocos deixados pelos futuros caídos. trata-se de preencher o vazio com o piso escorregadio das margens dos dias, um pé no agora, o outro no abismo.

à noite, que chega cada vez mais perto do ocaso e com uma mão a segurar uma ponta da alvorada, a mulher encaracola-se, como um bicho de conta, e recolhe-se, dentro do seu peito.






4 comentários:

  1. Que lindo isso, Ana.
    Essa mulher é mesmo uma Deusa de Sonhos.
    Adorei.

    Talvez porque viva com os pés demasiado assentes na areia movediça da realidade, acho que eu não saberia escrever nada tão bonito e etéreo.

    Um abraço e bom Domingo, Ana.

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    1. Muito obrigada, Janita. 'pés demasiado assentes na areia movediça da realidade' é uma óptima definição da realidade que vivemos...
      Bom domingo e outro abraço :)

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