sexta-feira, 4 de agosto de 2017

folhas









passaram-se 25 dias desde que ele a deixou, sem explicação. a mulher, que até aí tinha ficado parada, quieta de incompreensão, fechada de rejeição, triste de abandono, pegou na caixa onde guardava a correspondência dele e dirigiu-se a um banco à beira rio, naquele fim de tarde quase noite. àquela hora em que as pessoas se recolhem em casa depois de um dia de trabalho, ou cansadas da praia, e partilham lentamente a refeição com um amor ou com um aparelho de televisão, a mulher fecha os olhos e mergulha ao acaso a mão naquele amontoado de páginas onde ainda sentia o toque dele, o perfume dele, a temperatura da pele dele, o riso dele, a tristeza dele, a imensa distância dele. desde que ele partira, não tinha voltado ali, às palavras que guardara dele. páginas e páginas sem fim durante dias e dias com fim. ela sorri. as palavras que lê formam poemas perante os olhos dela, outras antecipam uma despedida que ela não quis ver, encontra frases que foram impulso, energia para os seus dias cansados, textos que foram abrigo, consolo. a mulher respira fundo, seria aquilo que iria guardar dele, todo o bem que ele lhe fez. amontoou as páginas, fechou a caixa e não atirou as folhas ao rio conforme planeara. não tinham sido em vão, não foi vida desperdiçada. talvez agora pudesse partir, talvez.











2 comentários:

  1. ...ainda bem que não o fez! Acho que devemos sempre guardar o melhor de quem passou na nossa vida, de outra forma poderá trazer amargura.
    Beijo de tarde boa, Ana

    ResponderEliminar