sexta-feira, 11 de agosto de 2017

coincidência












a dona conceição deixou de vir sem avisar, na mesma altura em que ele deixou de vir sem avisar, ou antes, numa altura em que, por coincidência ou acaso, uma data de coisas deixaram de ser sem aviso. ela era a senhora que uma vez por semana vinha cá a casa fazer limpezas. digo 'era', porque ela deixou de vir, mas continua a ser, pois não deixou de existir. 

a dona conceição levava-me ao desespero porque nunca queria ir embora. às vezes eram onze da noite e ainda ela andava por aqui com panos, sacos para deitar ao lixo, sacos para levar com ela, e, quando estava eu na minha meditação nocturna, 'ana, já vou embora!', e eu a estremecer, daquele estremecer de quando estamos fundo num lugar que não é daqui.

pensava eu que a dona conceição gostava daqui, assim como pensava que ele gostava daqui e as outras coisas todas que desaconteceram na mesma altura e que eu pensava estarem certas. acho que ando a pensar errado demais, essa é que é essa. mas eu cozinhava sempre a mais, para sobrar para a dona conceição, porque sabia que ela não gostava de o fazer, lembrava-lhe da medicação, recomendava-lhe paciência com as filhas, dava-lhe agasalhos para o inverno, e sossegava-a com a relação dela com jesus cristo. 

mas um dia ela não veio. na semana a seguir também não, e eu preocupada com a sua saúde, acabei por saber que ela estava farta e resolveu deixar de vir, assim sem mais, como ele. coincidências.

agora, passo por ela na rua e ela desvia o olhar. mas vai lampeira, mais gordinha, com saia florida e camisa de um branco imaculado. a dona conceição está com melhor aspecto e a minha casa mais suja, mas eu, mais sossegada.

mas dou comigo aqui a pensar que penso errado. tanta coincidência a coincidir com o que penso que é e não é.










6 comentários:

  1. Eu nunca me despeço, sabes, quando decido que está na hora de partir. Simplesmente desapareço. É o que faço. Mas hoje, ana bonita, estou aqui para te fazer um pedido, se puderes. Não te esqueças de mim. Porque ainda que não saiba onde eu estou, eu sei onde tu estás. Obrigada, ana, por tudo.

    Gosto de ti.

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  2. claro que não me esqueço de ti.
    sabes, as pessoas são livres de partir sem avisar, e, embora partam, ficam. há pessoas que ficam sempre. tu também ficas.

    gosto muito de ti,

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  3. às vezes as pessoas só ficam porque precisam, quando já nã precisam, elas partem... o que aprendi é que outras ocupam o seu lugar, e também já me aconteceu que afinal nem todas precisam de nós, algumas é só mesmo porque gostam de estar na nossa presença :) ou partilhar o que houver para partilhar, por pouco que seja...

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