domingo, 2 de julho de 2017

tablet











encontro o meu rosto reflectido no ecrã negro do tablet que me entregam nas mãos. no reflexo deparo com uma ruga funda perto do lábio, que não conhecia, assim como com a flacidez da pele que responde à inclinação a que me obriga o aparelho pousado nos meus joelhos. o tempo, por fora, corre a um ritmo que não coincide com o de dentro, de uma forma trocista, matreira, como aquela criança que aos dois anos ainda não tinha dito uma palavra, e de repente diz que não quer comer puré. penso nele. quisera um dia ter um corpo que não mostrasse as marcas do tempo, para lhe entregar, que fosse minimamente fresco, leve, se possível. mas esse dia ficou irremediavelmente perdido numa inoportunidade, num hiato da vida, e, os dias foram passando, as semanas, os meses, passaram os anos, também. enquanto isso, fui-lhe mostrando o pior da minha alma, sem pudor, sem vergonha, sem preconceito, sem véus. pensei que ele se fosse embora, que partisse, que me deixasse sem sequer dizer adeus. mas não foi isso que aconteceu, ainda. ele conhece todas as minhas invisibilidades e ainda está por cá.










4 comentários:

  1. As marcas do tempo de fora, que nunca coincide com o de dentro, também me vão surpreendendo, dia após dia. Estou decidida a ser boa aluna e a aprender direitinho a viver com elas.

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    1. também vou conversando com elas, e agradecendo.
      que lindo passeio de domingo, Luisa :)

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  2. ando numa conversa com o tempo que nem te conto, Ana.
    há dias em que andamos à galheta.

    boa semana.

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    1. eu estou em conversações para um acordo de paz.
      beijo, Laura

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