quarta-feira, 14 de junho de 2017

recreio em tempo quase real











ao meu lado, no café, a minha mãe vai lendo em voz alta algumas notícias que me escapariam na minha pesquisa matinal. uma mulher a quem foi descoberto um telemóvel na vagina ao sair de um estabelecimento prisional, e não, não foi porque o aparelho tocou, mas sim devido às mãos talentosas da funcionária que inspeccionou a visitante; dois irmãos que se envolveram numa rixa causada por assuntos de dinheiros - coisa rara, comenta a quem lê para mim; diogo morgado que assumiu uma relação - bem bonito, o diogo; a qualquer coisa norton de matos que casou - de branco e flor de laranjeira com uma carrada de filhos atrás, acrescenta, dizendo 'gostas é que te leia as notícias...', sem dúvida que gosto, gostava também que me lesses ao final do dia. à minha frente está um casal, ela, magra, passaria despercebida, ele, um homenzarrão, moreno, crânio calvo e queixo peludo, calções azul turquesa e t-shirt justa ao corpo, verde água com flores no bolso, tatuagens que lhe cobrem o braço esquerdo todo, óculos de sol espelhados de cor-de-rosa, uma argola em cada orelha e um terço preto pendurado ao pescoço. tanto um como o outro deslizam os dedos pelos ecrãs dos telemóveis, enquanto eu rio ouvindo as actualidades do dia. lá fora, os polícias montaram uma operação stop na rotunda. ficamos a observar o prazer que têm na escolha das vítimas que decidem mandar encostar. descem o vidro, o agente dá a volta ao carro para verificar os selos expostos no lado direito do vidro, e eu ficava logo aqui com duas ou três multas, regressa à janela, pega no livrete, confirma matrícula e de seguida arranjam maneira de desencantar uma multa. a mim, desencantariam muitas, mesmo, e uma manhã perdida, por isso lhes fujo, como o diabo da cruz.

acaba-se o recreio. corre uma brisa fria com cheiro a algas vinda do mar. inspiro fundo e tento retê-la no peito para mais tarde quando estiver no interior quente e abafado da nossa terra.











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