segunda-feira, 12 de junho de 2017

anoitece








na hora em que os telhados velhos e o negrume do céu são um só, permito-me o cansaço, a saudade, o cuidado, o anoitecer.
ao telefone, a mulher doente falou-me da permissão para sentir e lembra-me o sofrimento todo que recusou ver em si. 'não mo permiti e ele existia. cristalizou, sabes? enquistou. tudo o que não me permiti calcificou em mim.'
fomos educados para recusar o sofrimento, mesmo que ele exista. amputamo-nos em vez de chorar e berrar aos quatro ventos.
naquele dia, a mulher doente chorou incontrolavelmente sem saber de onde lhe vinha o pranto, 'as lágrimas saltavam-me dos olhos sem eu saber como. chorei uma vida inteira. se eu morrer daqui a três meses, sabes, saberei que por fim fui verdadeira'. 'telefonei-te porque tenho shitake acabado de fazer, queres crepes, antes de congelar?' pouco mais posso fazer além de a ouvir e cozinhar para ela.







4 comentários: