sábado, 8 de abril de 2017

conferência de imprensa sem direito a perguntas










ele e ela atravessam o parque lado a lado. ela traz na mão uma garrafa de um litro e meio de água, imagino que a partilhem se tiverem sede. ele leva um saco do lidl cheio de compras. vão chegar a casa e vão os dois arrumar as compras no armário, abrir duas cervejas e estender-se no sofá, encostados um ao outro, a ver um dos filmes gravados durante a semana, para ver ao sábado. caminham lado a lado. 

na caixa do supermercado, o homem pousa, a medo, uma garrafa de brandy, entre a caixa de ovos e as embalagens de carne, como se a quisesse esconder. 'depois eu pago', diz para a mulher que tem um corpo com o dobro do tamanho do dele. 'deixa lá', responde-lhe ela com expressão de condescendência. ele, grato, saltita com o carrinho onde vai guardar as compras, e, sob as orientação dela, acondiciona cuidadosamente tudo o que, quando chegar a casa vai colocar exactamente nos lugares que ela disser. depois, vão assistir ao programa da tarde da tvi e ele vai tomar a bebida para lhe dar coragem para ser homem, mais uma vez, e com sorte, até levantar a voz à mulher.

eu atravesso o parque com o saco das minhas compras na mão. reparo nos homens que se juntam para jogar futebol, sorrio para os pardais mansos que me observam das árvores, noto que já se avista a lua e que está quase cheia, e penso que tenho que pôr os cristais a carregar, guardo o verde tenro das árvores para pousar nele, que não tenho e que trago colado a mim. quando chegar a casa, vou arrumar apenas o que tenho que guardar no frigorífico, o saco vai ficar no chão a fazer companhia aos outros, e vou mudar o vaso do tomateiro que comprei de manhã, para com as folhas fazer um repelente de larvas biológico. recuso o convite para o teatro que acabei de receber, e passarei a noite a pesquisar receitas vegan para o catering do retiro. 
escrevo isto e fico a pensar se devo fechar a caixa de comentários. acabo por nunca o fazer, faz-me lembrar as conferências de imprensa sem direito a perguntas.










12 comentários:

  1. Vou fazer um comentário e não perguntar nada:
    Muitos casais não têm coragem para se separar, muitos dizem que estão juntos por causa dos filhos, então para a catástofre ser ainda maior -> fazem mais um filho.
    Ele pensa: Já não a aturo, se a deixar ou a deixar divorciar-se de mim -> caio na vergonha entre os meus amigos e fico sozinho porque nenhuma mulher me quererá, as mulheres são todas umas pu...[sic]!
    Ela pensa: ele cheira mal mas traz dinheiro para casa, se sair de casa -> não consigo aguentar as despesas e as crianças... o que vai ser delas [sic] meu Deus?!

    (os meus dois centavos, agora uma nota pessoal:
    eu nunca fui casado mas vivi junto, safei-me de me desgraçar porque não fiz filhos, e sabes que mais, Ana, o tempo de me arrepender e de me culpar até à loucura, que a tive, esse tempo foi-se, hoje estou vivo e satisfeito com o que já atingi e com o que o futuro me possa reservar, possa eu viver muitos anos)

    Cumprimentos honestos para ti que não me perguntaste nada :)

    ResponderEliminar
  2. obrigada pelo comentário sem perguntas, zê-éme-bê.
    (eu tive, e tenho, três filhos, e não me sinto desgraçada:))

    ResponderEliminar
  3. hoje cheguei a casa com sacos de compras mais pesados do que eu.
    desfiei, enquanto subia, o meu rol de asneiras pouco bonitas.
    acabei por arrumar as compras, mas bastante contrariada.

    (porquê fechar a caixa de comentários?)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tudo o que é pesado encomendo pelo continente online. É o melhor, Laura:)
      (amuei...)
      Bom domingo!
      Beijinho

      Eliminar
  4. Fechar a caixa de comentários??? Perdi alguma coisa e por isso não percebi?
    Eu tenho uma filha e não sendo desgraçada a vida podia ser muito mais engraçada, mas não ao lado de quem eu já não gostava nem me fazia sentir bem. Também carrego as compras sozinha, mas já carregava... E agora ao menos não espero ajuda e não me incomoda, pelo menos carregar sozinha as compras ;)
    Beijo, ana

    ResponderEliminar
  5. amuei, Olvido :)
    beijo e bom domingo

    ResponderEliminar
  6. Direito a perguntas é tão bom! Fiquei interessada pelo catering do retiro e pelo retiro em si.
    ~CC~

    ResponderEliminar
  7. e a generosidade das respostas, uma bênção :)

    eu teria tanto gosto, CC. vou enviar informação para a sua caixa de comentários.
    bom domingo!

    ResponderEliminar
  8. nem sempre tenho comentado, mas é raro nã ler :)
    gostava de ser um dos que carrega as compras e chega a casa e abre uma cerveja refastelado no sofá ao lado dela.

    ResponderEliminar
  9. Desde que comecei a ler blogues - muito antes de ter eu blogues - me perguntava até que ponto seria justo ler, ler e ler, refastelar-me, por assim dizer, não no sofá, mas nos blogues que lia (só leio blogues de que gosto) e nunca deixar um comentariozinho a dizer qualquer coisa nem que fosse, "obrigada por esta boa leitura". andei muito tempo sem me atrever a comentar. depois pensava que os autores desses blogues não precisavam do meu comentário para nada, etc, e continuava apenas a ler. até que um dia comecei a comentar, mas custou-me imenso e ainda custa um bocado, muitas são as vezes em que escrevo comentários e depois apago antes de os publicar (e até talvez este vá ter o mesmo destino).

    Mas escrevo isto tudo porque tenho medo que tenhas amuado por eu não comentar mais no teu blogue, embora me pareça totalmente estúpido pensar isto, só que eu gosto tanto de te ler e tanto me refastelo aqui, que hoje tinha de vir ajustar estas contas, pronto.

    Perdido por cem, perdido por mil, ou seja, como este comentário já está gigante, vou completá-lo com o que me falta dizer: adorei o teu post. é absolutamente real e ilustra uma grande parte do povo português (perdoem-me) e de outros povos também, vá.

    gostava que não tivesses de carregar os sacos de compras sozinha e, por fim:

    também gostava que o Manel concretizasse isso que aí escreveu e vou ficar a torcer para que sim.

    desculpa lá, ana, tanta conversa, mas foi por causa desse amuo. :-)

    ResponderEliminar
  10. (olha, Susana, não teve...:))
    o amuo não é esse, nunca podia ser vindo de mim assim um amuo tipo esse amuo que pensaste que era. o amuo vem de eu ter já o nariz achatado por chegar à porta de caias de comentários e esbarrar com ele, o nariz, na porta do dito. às tantas fico amuada e penso 'também vou fechar a porta a ver se gostam'. não ligues, susaninha e desculpa a minúscula mas é por estar à vontade contigo e ter preguiça de carregar na tecla, eu sei perfeitamente que nem sempre estamos com disposição para conversas, assim como os ministros que não permitem que os jornalistas façam perguntas, o que eu acho uma grande falta de educação. já nem sei o que ia escrever porque fiquei com o pensamento preso numa memória de várias décadas atrás.

    tem uma segunda boa boa (a mim custam-me muito as segundas (esta frase está gramaticalmente toda ao contrário)

    beijinhos e abraços e carinhos sem ter fim :)

    ResponderEliminar