o dia

atirei o tabuleiro e a grelha do forno pelo ar enquanto vociferava palavrões. foi a gota de água. as bolachas meio cruas caídas no forno e no chão, migalhas por todo o lado. foi o final de um dia de quinze horas de trabalho e o criador a rir-se de mim.
a vida andava a ser minha amiga e eu não notei. tratava-me com regalias, deixava-me dormir de noite, alargava as horas ao meu tamanho, o trabalho ao meu cansaço, e concedia-me ignorâncias, o que fazia com que eu visse as pessoas, não sei se mais bonitas do que são, mas mais disponíveis de coração. mas como eu estava a dizer, eu nem me apercebi disso.
depois entraram assim palavras de entristecer-me muito fundo, e eu apanhada desprevenida a perder também o sono. de seguida o trabalho a saltitar para baixo e o futuro a entrar-me cinzento no presente por uma frincha que não consegui fechar. então o medo também apareceu esta semana, e além disso mais e muitas palavras de fazer embrulhar as entranhas. e agora enquanto escrevo, reparo que a tristeza me vem das palavras que me chegam, mas que a alegria também, e até a fúria, que esta semana também me visitou a fúria e eu tanto a amordacei que fez com que me voassem os tabuleiros. como se não bastasse, fiz tudo mal, hoje, enganei-me em contas, em compras, nas horas, nas receitas, over and over again, como dizem os brexits.
à parte disto tudo, e consequência de alguns acontecidos nestes dias, carrego uma dúvida comigo que é não saber se hei-de fazer valer a justiça e poder sair prejudicada tecnicamente, mas beneficiada humanamente, ou deixar a justiça adormecida e viver mais sossegada, na prática. estou tão inclinada para a primeira hipótese, e andar a penar por mais uns anos, que nem sei. segura-me.