apenas ouvia o som do tilintar da chávena quando a pousava no prato e o barulho do motor do frigorífico. naquela manhã, pela primeira vez, não acendeu a luz da sala para tomar o pequeno-almoço, nem se lembrou de colocar os óculos no bolso do casaco que sempre vestia ao acordar.
planava. o corpo estava subitamente mais leve, mas de uma leveza nostálgica, como as folhas que se desprendem da árvore ao aproximar o outono, como a indolência da onda que recolhe ao mar. também ela regressava a si, à sua terra seu corpo, à sua água suas emoções. mas enquanto a terra acolhe, a água revolve.
tinha-se costurado nele, em palavras, e não dera conta disso. com as palavras tinham ido a pele, o olhar, os aromas que adivinhava, o arrepio, o tacto, até o movimento cadenciado das marés. agora, com uma tesoura de pontas como o tempo, precisa e acutilante, cortava os alinhavos feitos de fio de prata, e planava, sem chão que lhe assentasse nos pés, ao sabor de um vento a que já esquecera a orientação, de tantos dias que, sem saber, ancorara nele.
Certos dias, sinto assim o corpo. Como folha ao sabor do vento.
ResponderEliminarBoa tarde, parece-me que esse sentir que escreve não é monopólio do próprio, acontece a todos, são dias sentidos, causados por algo, só o próprio sabe explicar.
ResponderEliminarAG
deve ser da pressão atmosférica, Luísa :)
ResponderEliminarsomos todo um, AG. um fractal de um fractal.
ResponderEliminarbom domingo :)
é como se estivesses a ouvir as coisas que nã consigo dizer...
ResponderEliminara tua alma sussurrou à minha enquanto dormia, Hury :)
ResponderEliminara minha alma constipou-se... mas está tudo explicado :)
ResponderEliminarninguém te manda andar com a alma nua...
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