sábado, 4 de fevereiro de 2017

o sábado de ana











acordo às quatro da manhã com um ruído qualquer vindo não sei de onde. eu não sou de noites, sou de madrugadas e de dias. de noite tudo dói, o corpo, a alma, a solidão. então àquela hora, que se prolongou até de manhã, olho a minha vida com um olhar sarcástico, nem sei se meu, se de alguma alma penada a fazer horas até que os portais se fechem, e aponto para mim mesma enquanto rio, às gargalhadas, pelo ridículo que vejo. como é que me atrevo a pensar que a minha vida resulta, que o esforço é compensador, e vem-me aquela vontade de desistir, de parar, de que se dane. depois, nasce o dia, e o meu corpo, como um burro que conhece de cor os caminhos, levanta-se embrulhado numa manta, e começa as rotinas de todos os dias, neste caso, de todos os sábados.

agora, chego a casa, carregada de sacos como de costume, o cabelo no desalinho de sempre, hoje justificado pelo vento e pela chuva, as calças de ganga do costume, e atiro tudo para o chão da cozinha, onde alguns já estão há várias semanas, e vou dar de comer aos pardais, na esperança de que apareçam piscos, adoro piscos. depois começo a fazer o almoço para eles, homens feitos, que nem sei como criei homens, com a vida que tenho. nem sei. tanto corpo, tanta alma, e eu, frágil, como diz o doutor, frágil, tecnicamente, claro.

depois atravesso pontes e atravesso rios. vou encontrar gentes que acreditam que o caminho é aceitação, humildade e por fim sabedoria, embora eu pense que seja sabedoria, aceitação e humildade, pessoas que confiam, embora eu tantas vezes duvide, pessoas que me acolhem, embora tantas vezes eu queira estar a milhas. como agora.

chego a casa mais uma vez, acendo a lareira, preparo pão de nozes com queijo de cabra, abro uma garrafa de vinho branco fresco, e descanso.









12 comentários:

  1. e agora posso roubar um avião e ir para o quentinho da tua casa? sim? :)

    deixo um beijo no teu coração, ana bonita. :)

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  2. branco? mas não há vinho nessa casa? :P
    bjgr

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  3. também tenho ficado a ouvir os sons, os estalares nocturnos, a abertura e fecho dos portais, os visitantes deambulantes, assustados pelos meus olhos abertos e cismados :)

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  4. Podes às vezes sentir-te cansada e fraca, com vontade de atirar tudo para o ar, mas acredita, neste mundo, haveria muita gente que daria tudo para conhecer essas almas humildes, comer esse pão com nozes, acender a lareira e beber esse vinho!


    boa noite Ana

    fizeste-me lembrar as minhas terras de onde sou oriundo...o norte profundo!

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  5. conta tempestades, Hury, para adormeceres :)

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  6. disso tenho a certeza, criança da lua. estou no norte, mas litoral.

    obrigada e tem uma boa noite :)

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  7. Podia ser eu...podia ser a minha vida...só o vinho seria tinto

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  8. se dormisse na loja, contava nuvens no aquário...

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  9. tinha branco já aberto, MariaTu, e há alturas que me apetece beber vinho fresco como se não houvesse amanhã :)

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  10. esqueceste-te da chuva para hoje? brilha azul por todo o lado, Hury...

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