quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

hoje lembrei-me dele










'Bem mais perto de mim estão as silenciosas estrelas suspensas na noite, do que tu, que eu quero. Procuro com os olhos em volta e nada encontro.'

hoje lembrei-me dele, do p. cheguei a ele apontando-lhe erros.
mais tarde, enviava-me os livros para que eu os corrigisse. 'minha amiga, um euro por cada gralha', dizia-me ele, sabendo que eu passaria a pente fino cada frase, cada pontuação, a conjugação dos verbos, os erros ortográficos, e de seguida seguiriam, devidamente assinalados. 
outras vezes, 'como estás minha querida? posso publicar este texto teu?', e eu respondia o que ele já sabia, 'tudo o que tens meu, é teu', e ele publicava. 
depois, com o tempo, cansei-me de corrigir. corrigindo não sentia, juntava palavras, analisava frases, contava parágrafos, mas não sentia a escrita, e era como se ficasse frio de repente. a dor, o prazer, a sensualidade do texto, desapareciam. além disso encantei-me pelos fazedores de palavras, inventores de linguagens ausentes de regras gramaticais, como o mia, e diluiu-se-me a paciência para a lógica a que me obrigava.

o p ainda me envia textos, 'para a minha eterna amiga do mar do norte, duas pequenas coisas que ando a escrever', eu sorrio-lhe por mail, porque sei que ele só vive quando escreve.

'O que vivi merece ser escrito, para me lembrar que vivi.', dizia-me, enquanto eu,

'Entras assim no meu quarto, daí, desse lugar que eu desconheço, onde também sentado em frente a um computador, corriges textos, enquadras parágrafos, transformas dores em palavras.

E entras assim no meu quarto, onde eu estou só. Na minha casa coberta de silêncio e camas desfeitas, e ainda cheiro a café da manhã e leite com cereais. Estou só e chegas assim, no momento exacto em que eu preciso, e não consigo tirar os olhos das tuas palavras, dos espaços que deixas entre parágrafos, a tua escrita é clara, é espelho. Cada ponto, cada vírgula, as reticências, as maiúsculas, tudo no lugar certo, e os erros de ortografia, os atropelos dos dedos na pressa da escrita que me fazem sorrir e lembrar como cheguei até ti, assim, apontando erros de ortografia, confessando-te que ao ler-te, ao abrir as tuas páginas encontrava espelhos.

E entras assim no meu quarto, e eu leio-me em ti.'











7 comentários:

  1. Às vezes acontece apaixonarmo-nos por palavras...

    Um beijo no teu coração, Ana bonita. :)

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  2. Eliminei-te, Manuel, por descuido ...

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  3. Belíssimo texto para este dia.

    Não há paixão sem amor pelas palavras.

    Já me animaste o dia ana. Obrigado. Este é outro poder das palavras. Levar alegria a outros.

    Beijinhos

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  4. obrigada, conta corrente. eu é que te agradeço, por mo dizeres.

    tem um bom dia :)

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  5. Palavrinhas para nos agasalhar.
    Lindo, Ana. Às vezes pões-me meia apardalada com o que escreves e isso é uito bom.

    Bom Ano.

    Beijinho grande

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  6. Que bom apardalares. Podes vir para a minha varanda...
    Bom ano, Laura!
    Beijinho grande

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