quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

eu também já fui abandonada no natal
















eu também já fui abandonada no natal. demorei três anos ou mais para recuperar, como já disse ao Hury, para o animar. e, embora hoje não seja bom dia para falar nisso, pois estou com os meus níveis de sensibilidade todos concentrados na gripe que me mói o cérebro, lembro-me que na altura senti-me uma lorpa. só pouco depois a minha mãe me disse, sem saber do ocorrido, que eu sou realmente uma lorpa, assim de uma forma geral, em tudo na vida. 
mas dessa vez eu tinha dado uma hipótese ao meu coração, que coitado, ainda hoje reclama da pior maneira, por ter sido usado por mim, daquela forma. teria sido, como diz o escritor, uma possibilidade de amor. e entreguei-me. estampei-me. bati de frente com tudo. 
aconteceu, que só atentava, na altura, ao que eu sentia, sem me ocorrer que ele pudesse sentir diferente. é no que dá a falta de prática. mas é que ele tornava a minha vida simples e eu sou de me encantar por simplicidades, e depois, dizia-me 'se não resulta assim, faz ao contrário', e eu sentia amparo. e ele ria e dizia 'miúda, tu tens jeito com as palavras', e eu escrevia-lhe. e ele dava-me a mão para caminhar na rua, e a mão dele era grande e morna e ele gostava de andar de noite à chuva e ao vento, rindo.
pensando bem, foram poucas as vezes que estivemos juntos, mas aquele pouco foi tanto, para mim, só para mim.
um dia ele foi embora com lágrimas que eu nunca entendi, dizendo que voltaria e não voltou. foi simples assim. só ao final de três anos comecei, lentamente, a soltar-me, dele. mas eu sou pessoa de lentidões. um atraso de vida.
na borda do meu lençol ficou o perfume dele. nem sei por quanto tempo. ou foi um pretexto para eu não mudar a roupa da cama. uma trabalheira...

eu disse três anos?...já lá vão seis e ainda hoje me resguardo. mas como eu disse, eu sou de lentidões, e, além disso, de recolhimentos.

podia ter sido salva por um haiku. mas não fui.

acho que nunca mais voltarei a sentir-me abandonada no natal, nem em altura nenhuma. sou lentinha, mas chego lá.










16 comentários:

  1. Tão bom de se ler, tão amargo de se viver.
    Maravilhoso.

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    1. Obrigada LB, o tempo atenua todas amarguras... :)
      Beijo

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  2. abafa-te, abifa-te, avinha-te e esquece as duas primeiras que isso passa ;)

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  3. Tão para mim os dois textos. :)

    Beijo, ana.

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  4. ir devagar é inteligente.
    eu vou sempre, em certas coisas, e nunca me arrependo, porque quase sempre chego lá.

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  5. nem sei se diga 'ainda bem', deep...mas acho que sim. ainda bem que se vive :)

    beijo e boa quinta. deve estar fresquinho aí...

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  6. somos personagens da fábula da lebre e da tartaruga, Laura :)

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  7. Este texto é uma antologia do adeus - esse presente sempre novo.

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  8. posso dizer que sou lorpo? gosto disso :)
    e gosto que me animes, e para te compensar, fico-te com a gripe, mas só por uns dias que aqui nã permitem animais de estimação :)

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  9. lorpa não tem masculino. por alguma razão será :)
    fica com ela, Hury, é toda tua. dá imenso jeito...

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  10. a gripe só quer um peito onde se possa lamentar, uma garganta onde se possa doer, uns olhos onde se possa chorar, um corpo para se doer... se tiveres, ela quer...

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