sexta-feira, 28 de outubro de 2016

o vizinho e o coração






















eu tenho um vizinho que adivinha quando eu preciso de um abraço. então de vez em quando, nos nossos breves encontros no elevador, ou na garagem, vem ele e diz 'oh vizinha, venha cá que hoje precisa de um abraço.', e preciso, nessas alturas eu preciso, e em mais algumas, em que por azar, não me cruzo com ele. e são também muitas as vezes, que por ele me adivinhar, eu fico com os olhos a quererem soltar lágrimas, enquanto abraço da direita e abraço da esquerda. 'vizinho, se alguém nos vê aqui aos abraços...' ainda digo, ao que ele 'deixe lá vizinha, que pensem o que quiserem'.

este vizinho é naturopata, e eu resolvi confiar nele. ao final de muitos meses de consultas e exames e medicamentos supostamente naturais, ele já me vai conhecendo os desregulamentos. 

e hoje foi dia de consulta. e todas as vezes que qualquer tarefa sai da rotina de trabalho, é um deus me acuda para conseguir fazer tudo, sobretudo em alturas atoladas de tarefas, como estes últimos tempos. mas deus acode, como sabes.

mas lá cheguei por entre um trânsito infernal para uma terrinha tão pequena. e cheguei cansada, e muito. depois da conversa inicial, de 'como é que se tem sentido', 'e os filhos', e eu a dizer que deixei de me preocupar com o que se passa em coimbra, e ele a dar a volta à secretária para me dar um abraço. por ter menos oxigénio no sangue, ele a dizer que eu ando muito cansada, excessivamente, ate. eu, assim que tenho que fazer os testes de equilibrio, que de equilibrio não tenho nada, começo a dizer mal da minha vida, e ao auscultar-me ele a fazer cara de quem não quer fazer cara feia, e eu a brincar que digo a todas as amigas, que se lá forem, para irem preparadas que as despe todas.

então, depois de me espetar os dedos na barriga e me dar murros nas costas, mandou-me deitar na marquesa, diminuiu a luz, encostou-se na sua cadeira, e 'vizinha, agora descanse que eu não gosto do seu coração a bater tão depressa'. e eu ali esticada na marquesa, com o vizinho a olhar para mim e a dizer 'não se preocupe, temos a tarde toda, quero ouvir esse coração a bater devagar'. 'já podia ter dito, vizinho. se é para o coração bater mais devagar, não é deitada. é sentada'. 

sento-me, pernas à chinês, costas direitas, tipo posição de lotus, e o vizinho 'então é sentada...', 'sim vizinho, assim'. passados dois ou três minutos, 'já pode auscultar-me. já bate como quer'. o vizinho auscultou-me, arqueou as sobrancelhas, e 'faz isto muitas vezes?', 'quase todos os dias antes de dormir', 'ah...e muito tempo?', 'sei lá, 15, 20 minutos, o tempo que me apetecer. se me sentir bem lá em cima, vou-me deixando ficar por lá.', 'olhe vizinha, pode ir, o coração está como quero'.

e mais abraço da direita e mais abraço da esquerda.





















12 comentários:

  1. gostava de entender porquê que a minha vizinha nã se deixa abraçar com a mesma facilidade :)
    cuida desse coração, podemos trocar peças, mas a essência é de origem :)

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  2. Gostava de ter um vizinho assim.
    E nos blogues somos um bocadinho vizinhos, por isso, vizinha, vou deixar aqui um abraço virtual.

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  3. Um abraço ajuda a cicatrizar um coração magoado. :)

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  4. olha, Manuel, se eu fosse tua vizinha abraçava-te :)

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  5. obrigada Gabi! é bem verdade. quantas vezes vêm abraços tão reconfortantes daí :)
    abraço e uma boa noite!

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  6. Onde se vendem vizinhos desses ? Um abraço faz milagres Ana. Abraço :)

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  7. ele já cá estava quando vim para cá morar... ;)

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