quarta-feira, 10 de agosto de 2016

enquanto for tempo de andorinhas












é de manhã que custa a adaptar à vida. logo ao acordar. o som das gaivotas lá fora, o dia que já nasceu, o passar dos minutos que o relógio faz questão de assinalar. passeia a mão pelo corpo, numa tentativa parva de o reconhecer. afinal de contas sempre esteve ali, mas parece que de repente se transformou. sim, parece que foi de um dia para o outro que a carne ganhou mais carne. então deixa a mão deslizar pela pele, numa tentativa de reconciliação por aquela mudança sem aviso. depois, tenta alinhar os pensamentos, o trabalho, a mãe, os filhos, e ela que precisa tanto dela, e quando se apercebe já chegou ao final de mais um dia com o corpo todo cansado, e mais semanas e meses e anos.

mas isto é só de manhã, que depois levanta-se e começa a fazer o que tem que ser feito. de vez em quando vem-lhe à cabeça a pergunta do vizinho 'como gostava que a sua vida fosse?', e ela ali sem saber o que lhe responder.

não tarda muito vai para a rua, e aí vem o mar e o vento, e as pessoas cheias de história de vida com que se cruza, e começa a sentir-se mais terrena. escolhe o café pela vida que as empregadas carregam, o talho pela história do homem que veio do brasil e desde pequenino trabalhou na roça, e quando fala com ela arrasta o som daquela vogal aberta, fazendo parecer que o seu nome, mais do que nome, é uma melodia. 

depois, logo logo vai ser noite e vai ouvir as andorinhas, enquanto for tempo de andorinhas.












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