sexta-feira, 3 de junho de 2016

dona fernanda




























dona fernanda atira o telemovel para longe, deixa cair, sonoramente e arrepiantemente, a cabeça em cima da mesa e diz - foda-se! acho que pela primeira vez lhe ouço um palavrão. fico a olhar para ela. calada. aliás, muda. imóvel. aliás, paralisada. ela outra vez, mas desta vez com o punho fechado em cima da mesa - foda-se! pousa a cabeça toda em cima dos braços cruzados e deixa-se ficar. e deixo-me ficar. ali, apenas presente.

sou eu, diz ela, por fim, sou eu comigo mesmo, eu que não me entendo, eu. merda, merda merda. como posso confiar em mim?
e eu...ali ainda emudecida e paralisada, tento articular um 'tem que se aceitar, dona fernanda, tem que aceitar a sua impermanência... e ela, habituada aos meus conselhos da boca para fora a roçar as espiritualidades, atira-me um - olhe, pimenta no rabinho do preto é refresco... sabia? já ouviu?... o que se passa é que não me aguento a mim mesma. e eu bem o tinha avisado, e ele agora vem com aquela de que quer fazer caminho comigo e eu sem querer já fazer caminho com ele quando antes o que eu mais queria era caminhar ao lado dele e agora, foda-se! porque o outro...oh, o outro conhece-me sem ter que me ver sequer. merda merda merda, e quando ele me quiser, estou mesmo a ver que eu.... foda-se, eu tenho é que ficar na minha vidinha quietinha...

e eu, aqui, a tentar balbuciar as minhas teorias, de impermanências e aceitações e auto-estimas, e amor por nós mesmas, e sei lá que mais hei-de ir buscar, sem saber o que dizer à pobre mulher.
(sugestões?)




















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