domingo, 1 de maio de 2016

isabel e a mãe



















isabel não trazia memórias de um abraço da mãe, e só recentemente, e isabel já tem mais de meia centena de anos, a mãe a tratou por 'minha filha'. é com uma ponta de tristeza que isabel ouve a mãe, ao telefone, a chamar os outros de 'minha querida', ou 'meu querido', e a mandar 'muitos beijinhos'. é com dificuldade que finaliza uma conversa com um beijo, para ela, e, normalmente, força-se isabel a acabar o último telefonema da noite com um 'durma bem, beijo'. nem quando o pai morreu caíram nos braços uma da outra, nem isso, nem um abraço, nem um beijo mais sentido. quando se encontram, ou despedem, encostam a face, num só beijo, é assim, e sempre foi assim.
já do pai, isabel lembra do seu abraço, mas um abraço que ela mesmo construía. encostava-se a ele, no sofá, levantava-lhe o braço, e colocava-o por cima dos ombros dela. ele gostava, derretia-se todo, mas era ela que fazia aquele abraço.

mas aquela mãe é a sua fortaleza. e foi a do seu pai, enquanto ele viveu. aquela mãe traz a força dentro dela, e isabel traz gravada na memória a imagem da mãe, batendo no peito do pai, debilitado de uma queda, dizendo, 'zé, a força vem daqui, é daqui!', e ele acenava que sim.
isabel sabe que a força não vem só dali de dentro, mas quando a mãe chega, com as dores da mesma cor que as alegrias, isabel sente mais leve o peso do mundo.

esta manhã, sentadas no café, ouvia eu a conversa delas, sempre entre risos, como se a vida lhes fosse sempre a favor, dizia a mãe a isabel que a acompanharia às compras para a ajudar com o peso dos sacos. 'pode vir, disse-lhe isabel, mas não vai trazer os sacos, só a sua companhia aligeira-me o peso'. a mãe soltou uma gargalhada, e pareceu-me um palavrão, e mandou-a ir sózinha. nos olhos de isabel pareceu-me ver uma lágrima, talvez de gratidão e de verdade nas palavras que tinha dito, também ela tão parca em manifestações de carinho.













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