domingo, 24 de junho de 2018

caminho









quando deres um passo, estou a teu lado, mas se não o deres, não o darei por ti. o caminho é teu e és tu que tens que caminhar.
diz o homem-terra

amélia esperava-me inquieta. já antes de eu chegar, ela sabe porque vou, onde vou, ao que vou. tem o costume de corrigir a minha indumentária, solta-me os cabelos, coloca-me uma grinalda e veste-me de vestidos compridos e fluidos. os pés, esses deixa-mos nus. já ela, apresenta-se de lenço amarrado sob o queixo e óculos redondos.
temos que ir a uma gruta no deserto
explico-lhe, mas já ela me coloca um turbante na cabeça, equipa-me de lanterna, bússola, cantil e outros apetrechos de que não me lembro
para onde fores, vai preparada para o que te espera. prepara-te sempre para a ocasião. isto são ferramentas.
um tuareg já me aguardava mesmo antes de eu ter partido para aquele deserto árido e tórrido de areia dourada, e a gruta para onde me dirigia elevava-se no solo, em vez de mergulhar nas profundezas da terra. 
era escuro, o espaço onde eu devia entrar, e habitado por uma família de javalis que entravam e saíam sem cuidado algum. serviu-me de bom uso a lanterna que amélia me colocara na cabeça, e sentei-me. não tardou que fossem chegando membros dos grupos do tuareg com pergaminhos para que eu lhes escrevesse orientações. não me perguntes sobre o quê, pois não cheguei a sabê-lo. 
e agora?
perguntei ao homem escuro de turbante azul-noite que me acompanhava
agora?
sim, agora? isto não me basta. e eu? terei que ficar aqui, na escuridão e só? não quero...
tens o deserto todo lá fora...
disse-me, pausadamente
mas o deserto é árido e tórrido...
respondi, tentando ocultar que tinha medo da imensidão que se me apresentava por todo o lado
tens as ferramentas todas. usa-as.
então digo-te que as usei. ousei sair da gruta, deixando para trás o medo, e a cada passo que eu dava, a areia onde eu pousava o pé, transformava-se em terreno fértil e povoado de flores, como se o caminho fosse fertilidade em si mesmo. sem o medo, tinha começado o caminho que me levava à terra da infância, da leveza, do sem-tempo. ao chegar lá, rompendo a gosma que me prendia os movimentos e atava os passos, as crianças correram para o meu abraço e trouxeram-me a alegria genuina.
aceito o que de bom me é dado
ecoava eu mesma dentro de mim, como se outra fosse sussurrando nos meus ouvidos.
é a tua essência
murmurava-me o homem-terra sobre as crianças
és tu, quando te soltas do medo e confias













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