domingo, 3 de junho de 2018

18 metros quadrados











A mulher que dizem que carrega uma doença dorme. O seu corpo sobressai ligeiramente do colchão da cama articulada onde tem passado os dias.

Estou acamada
Costuma ela dizer, rindo. Rindo sempre.

Ontem foi um dia muito mau mas hoje está finalmente sem dores, e dorme. Cruza as mãos sobre o abdómen de uma forma que quando está acordada não é capaz. Elevam-se e baixam ritmadamente, enquanto eu vigio a sua respiração e leio o pequeno livro de capa azul que trouxe.

Disseram-me para ler esse livro
Diz o filho da mulher, enquanto prepara a medicação e o alimento
Deixo-te ficar, se quiseres
Dou por mim a dizer, sabendo que com isso largo pedaços de alguém que trago na pele como um furúnculo.  

Cada vez menos existe outra escolha para além do sono, ou a dor insuportável. Dou por mim a perguntar a Deus o porquê da necessidade da dor tremenda e contínua; deve ter sido um erro de cálculo, uma peça defeituosa na engrenagem da vida, uma porta enferrujada para a morte.
A vida neste quarto tão perto das gaivotas e das nuvens prateadas, com vista sobre toda a cidade tem sido assim. 18 metros quadrados de vida na profundeza da dor e da esperança.









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