sábado, 1 de julho de 2017

O homem que está sempre a varrer a estrada de terra batida








O escorpião perseguia-me. Dele via apenas a cauda curva e o ferrão, enormes, do tamanho da minha altura. Enquanto eu tentava ignorá-lo, ele insistia que eu o visse. Tinha-se tornado na minha sombra e era o meu prolongamento. 

O homem que está sempre a varrer a estrada de terra batida, nem olha para mim enquanto me fala. O animal é a parte feia de ti, aquela que rejeitas, aquela que não queres olhar. Não caminhas inteira enquanto não dialogares com ela. 
Agora a vida corre-te ao contrário. É fácil ter fé quando assistes a milagres. Agora que tudo desaba, quero ver onde assentas os pés. 
Houve um tempo em que agradecias, agora, só pedes, e mesmo pedindo, e mesmo sendo te concedido, não o vês, não deixas o acontecer, não dás espaço à manifestação. 
Numb, vives numbiando. 
O que fizeste com o que aprendeste? 
Do tempo, foi-te dado tudo e tudo deixaste do lado de fora da alma. 
Até o teu corpo deixaste de ouvir desde que os químicos adormeceram os sintomas que faziam o teu coração falar. 
Querias curar o homem? Como, se lhe entregas apenas o amor que sentes por ele? 
Vive, fala, respira com o corpo todo. Ouve e vê de olhos fechados. Encontra-te no ruído e no silêncio.












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