quinta-feira, 19 de maio de 2016

dona fernanda
















dona fernanda passa cá por casa para deixar uma receita de bolo de laranja à moda da avó dela. uma preciosidade, trabalhos a que as pessoas já não se dão. agora compram-se pós, junta-se óleo, e, com muita sorte, ainda se acrescentam ovos, e já está feito, diz ela, olhando com ar crítico para uns pós desses que tenho na desarrumação da cozinha, para experimentar logo que possa. e ela nem me quer ouvir dizer que é só para ver a diferença. preguiça, diz ela, isso é preguiça.

e como vão os assuntos do seu coração, dona fernanda? pergunto-lhe fazendo vontade à curiosidade que rebenta em urticária nos sítios mais inconvenientes do meu corpo, se não a satisfizer.

ai, o meu coração, vizinha, o meu coração não é de fiar, prefiro nem o ouvir. agora que aquele homem me quer, dou comigo de curiosidades por quem nunca vi. um desatino, vizinha, um desatino que me escancara desonestidade da minha parte quando o outro se desfaz em infinitos, e eu, aqui comigo para comigo, entendo que seja um barómetro, sabe? enquanto adormecer e acordar com quereres saber de outro, presa numa ideia, vejo-me rejeitar uma realidade que outrora foi sonho...nem sei que lhe diga, nem eu me aturo... mas esses pós... já não se pesam farinhas, valha me deus...

e os desassossegos de corpo, dona fernanda? assim só com ideias, a senhora..., arrisco eu, já que ela está de muitas falas... nem me diga, vizinha, nem me diga...olhe vou ao mar, vou ao vento, cá me arrefento... 


















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